quarta-feira, 19 de novembro de 2008




Perdido no Sinai

Antunes Ferreira
Tendo saído com alguma rapidez, por mor de um marido mais irascível, da faixa de Gaza, Abou Hamad, um militante do Hamas, perdeu-se no deserto do Sinai. A gasolina do seu jipe acabara e ele já andava a pé há três dias. Com a pressa da saída, levara apenas duas garrafas de água que rapidamente esvaziou. Estava podre de sede.

No céu sem nuvens, alguns abutres volteavam seguindo-o. Abou, desvairado, não parava, não fosse o Imundo tecê-las e as rapinas avançassem para uma refeição cada vez mais magra e ressequida. Os pés ardiam-lhe em contacto com a areia escaldante. Sol a pique, esplendoroso, aquecia o solo e ajudava a que ele, cada minuto que passava, mais sequioso, se possível, estivesse.

Nisto, ao virar de uma duna, depara-se-lhe um infame judeu. Quis lá saber do Profeta e da guerra. Chegou-se-lhe ao pé e suplicou ao infiel que lhe arranjasse um copito, vá lá, dois, de água mesmo que fosse del cano. Isaac Jacob moveu-lhe os dedos negativamente. Água, nem pó. Mas, era vendedor de gravatas. Uns modelos italianos, de seda…E apenas uns cem dolarezitos…

Ah cão, pensou Hamad. Porém, não disse. Sabe-se lá o que a sorte reserva a um homem temente a Allah… Nunca fiando. Porra, mas para que quereria ele as sacanas das gravatas do porco do judeu??? Meu Senhor, nem que fosse destilada, daquela prás injecções, um dedal. Nada mais. Estou a morrer de sede. Eu vejo. Mas eu sou mais gravatas. No entanto, posso dar-lhe uma informação. Ora essa, por quem é. Desde que seja sobre o H2O…

O Senhor segue em frente, daqui a duas dunas vira à sua direita, segue de novo em frente e à terceira duna vai avistar um bar. Garanto-lhe que ali há água fresquíssima, tiradinha do frigorífico e, até, um chá frio que nem lhe conto. Refrigerantes light, o que quiser. Não diga mais nada, caríssimo. É pra já.

Duas horas depois, ei-lo de volta e chegando-se ao Isaac. Já vinha com a carteira aberta e contava as notas do imperialismo. Então? Já está melhorzinho? O caraças!!!O fideputa do seu irmão dono do bar só permite a entrada a tipos com gravata. Grande sacana!!!

NE - A estória foi-me enviada via imeile por diversos cidadãos. Daí que não mencione aqui um nome em especial. Vários, bastantes, foram. A quem, reconhecido, agradeço as atenções. No entanto, e apesar de lhe ter vestido fato novo, não podia reivindicar para mim as glórias neste caso inconsequentes. Sic transit gloria mundi…

(Volto aqui, ao fim de uns mesitos. Aliás, pelo andar da carruagem, sou eu que devo andar perdido no deserto... Ó Dona Aninhas: se vocemecê fizesse "algum", não me parecia, de todo, mal...)

Também publicado em A Minha Travessa do Ferreira


1 comentário:

Táxi Pluvioso disse...

Aleluia, um post. Será preciso gravata para om próximo? Se não fosse a saída do disco do Castelo Branco o país estaria no deserto cultural...