sábado, 22 de novembro de 2008




XUXUXUTANDO

A desafinação nacional





Antunes Ferreira
P
ecado confessado é pecado meio perdoado, diz quem sabe, neste caso o Povo, de cuja voz também se afirma que é a de Deus. Máxima que parece ter caído em saco roto, apesar de alguns, mais crentes, ainda a aceitem. Mas, convenhamos, o que era ontem pecado, hoje já não é – e, em certos casos, é até uma quase virtude. Quer se queira, quer não, as coisas já não são o que eram. Por uma segunda vez consecutiva, falo de futebol. O que para nós Portugueses não é óbice, dado que é o tema nacional por excelência. Mas, além do «Desporto Rei», há mais.

Já no que respeita à voz do Povo ser a voz de Deus, nada mais desactualizado, no mínimo. Os decibéis do Povo serão iguais ou, no mínimo, semelhantes aos que a Divindade utiliza? Creio bem que não. Nesta época em que os sintetizadores são reis, as vibrações vocálicas andam um tanto abastardadas. Há uns anos falava-se no dó de peito. Agora, comenta-se que metem dó. Prismas.
São os danados dos chips, são sim senhor, que deram cabo do que era inatacável. Há quem diga mesmo que nos dias que vão correndo os registos sonoros, de tão aviltados, distorcidos, desmotivados, só justificam a rouquidão em treinadores de futebol no final do jogo – ou em animadores de manifestações, ao volante de veículo dotado de altifalantes condicentes com.

Tomem-se três exemplos. Depois do cataclismo ocorrido na cidade de Gama, ali ao pé de Brasília, o técnico (?) luso Carlos Queirós veio dizer que a equipa (?), perdão, os dez jogadores restantes, não sabe jogar para o Cristiano Ronaldo, como acontece no Manchester. O dito treinador (?) era ou não era ajudante do Sir Ferguson? Não é capaz de trazer para a selecção o que ali se esforçava por aprender com o mestre? Neste caso, apetece referir que o Povo também não tem pejo em afirmar que vozes de burro não chegam aos céus. Com todas as letras, sem tirar nem pôr.

Outro: a operação Fair Play. Detonada a ocorrência, veio a Procuradoria Geral da República informar que «foi possível recolher prova para indiciar os arguidos, que se organizaram no âmbito da claque de futebol denominada No Name Boys, pela prática de vários ilícitos criminais, designadamente dos crimes de associação criminosa, posse e tráfico de armas de fogo, tráfico de estupefacientes, ofensa à integridade física qualificada, roubo, incêndio, explosões e outras condutas violentas especialmente perigosas». E mais.

O texto da PGR veio sublinhar a acção da polícia face à «firme determinação de combater o sentimento de impunidade existente em alguns sectores da sociedade portuguesa, sejam eles quais forem, o que só poderá resultar de uma eficaz articulação entre o Ministério Público e todos os órgãos de polícia criminal, como vem sendo incentivada». Neste particular, esta voz é quase semelhante à da Callas. Boa, excelente.

Finalmente, o caso BNP e a detenção do seu ex-presidente José Oliveira e Costa, antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de um governo Cavaco Silva. Foi ouvido na Boa Hora, reza a Comunicação Social, durante cerca de nove horas. E pronunciado por sete crimes. Continua em prisão preventiva. Mas também se acrescenta que quando foi detido, o referido cidadão estava acamado em sua casa. Não se ouviram declarações aos advogados do arguido quando terminou o interrogatório deste. Assim, sem voz.

Fico por aqui. Ainda pensei em apontar ainda a voz da Dr.ª Manuela Ferreira Leite opinando sobre a suspensão por seis meses da democracia. Mas, de tanto que se tem dito e escrito, nem valia a pena. Não vale. País desafinado, o nosso. Demasiadas vozes e nenhuma harmonia. Musicalmente falando – e não só. Há quanto tempo não usava esta expressão…

(Também publicado nos blogues Sorumbático, Cuaoléu e A Minha Travessa do Ferreira)


quarta-feira, 19 de novembro de 2008




Perdido no Sinai

Antunes Ferreira
Tendo saído com alguma rapidez, por mor de um marido mais irascível, da faixa de Gaza, Abou Hamad, um militante do Hamas, perdeu-se no deserto do Sinai. A gasolina do seu jipe acabara e ele já andava a pé há três dias. Com a pressa da saída, levara apenas duas garrafas de água que rapidamente esvaziou. Estava podre de sede.

No céu sem nuvens, alguns abutres volteavam seguindo-o. Abou, desvairado, não parava, não fosse o Imundo tecê-las e as rapinas avançassem para uma refeição cada vez mais magra e ressequida. Os pés ardiam-lhe em contacto com a areia escaldante. Sol a pique, esplendoroso, aquecia o solo e ajudava a que ele, cada minuto que passava, mais sequioso, se possível, estivesse.

Nisto, ao virar de uma duna, depara-se-lhe um infame judeu. Quis lá saber do Profeta e da guerra. Chegou-se-lhe ao pé e suplicou ao infiel que lhe arranjasse um copito, vá lá, dois, de água mesmo que fosse del cano. Isaac Jacob moveu-lhe os dedos negativamente. Água, nem pó. Mas, era vendedor de gravatas. Uns modelos italianos, de seda…E apenas uns cem dolarezitos…

Ah cão, pensou Hamad. Porém, não disse. Sabe-se lá o que a sorte reserva a um homem temente a Allah… Nunca fiando. Porra, mas para que quereria ele as sacanas das gravatas do porco do judeu??? Meu Senhor, nem que fosse destilada, daquela prás injecções, um dedal. Nada mais. Estou a morrer de sede. Eu vejo. Mas eu sou mais gravatas. No entanto, posso dar-lhe uma informação. Ora essa, por quem é. Desde que seja sobre o H2O…

O Senhor segue em frente, daqui a duas dunas vira à sua direita, segue de novo em frente e à terceira duna vai avistar um bar. Garanto-lhe que ali há água fresquíssima, tiradinha do frigorífico e, até, um chá frio que nem lhe conto. Refrigerantes light, o que quiser. Não diga mais nada, caríssimo. É pra já.

Duas horas depois, ei-lo de volta e chegando-se ao Isaac. Já vinha com a carteira aberta e contava as notas do imperialismo. Então? Já está melhorzinho? O caraças!!!O fideputa do seu irmão dono do bar só permite a entrada a tipos com gravata. Grande sacana!!!

NE - A estória foi-me enviada via imeile por diversos cidadãos. Daí que não mencione aqui um nome em especial. Vários, bastantes, foram. A quem, reconhecido, agradeço as atenções. No entanto, e apesar de lhe ter vestido fato novo, não podia reivindicar para mim as glórias neste caso inconsequentes. Sic transit gloria mundi…

(Volto aqui, ao fim de uns mesitos. Aliás, pelo andar da carruagem, sou eu que devo andar perdido no deserto... Ó Dona Aninhas: se vocemecê fizesse "algum", não me parecia, de todo, mal...)

Também publicado em A Minha Travessa do Ferreira